quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Açude Velho

Em outro tempo, saindo do cais do rio Caí, caminhava-se até chegar à estrada do Saco Triste. Uma das primeiras casas da Timbaúva ficava no banhado à sombra da volta do Morro São João. Ali morava gente muito pobre, escravos. Pouco depois, no começo do areal, havia uma casa maior coberta de telhas. Os dois meninos, filhos destas famílias tão distintas, fizeram uma sólida amizade. Sempre brincavam juntos.

Certa tarde quente de verão, o primeiro, chamado Benedito, passou pelo potreiro do segundo e o convidou para tomar banho. Como não podiam ir até o rio, resolveram se aventurar num açude ali perto. É que os pais estavam capinando as roças de milho na direção do curso d’água.

Pela estrada do Saco Triste, ficava o Açude Velho, cavado pelos escravos em noite de Lua Cheia. É que quando nosso satélite entrava nesta fase havia uma luminosidade tão abundante que o serviço não precisava ser interrompido logo. Duas fileiras ficavam de cada lado da taipa. Com suas pás iam cavando, enquanto duas juntas de bois caminhavam de um lado para o outro, socando a terra. Assim construía-se a taipa para represar a água da vertente.

O menino rico chegou primeiro e sentou para tirar as botinas e abrir os botões da camisa. Mas Benedito não fez o mesmo, estava com muito calor e todo suado. Atirou-se na água de uma vez só com toda a sua pouca roupa. O açude, tapado de capim boieiro, não perdoava ninguém que se aventurasse assim com tal ousadia. Os finos membros do desditoso se enrolaram nas plantas, e, pouco a pouco, ele foi puxado para o fundo das águas barrentas. Na sua agonia não havia nada o que fazer. Simplesmente colocou a cabeça para fora d’água e disse ao amiguinho:

- Não entra aqui, senão tu morre junto comigo!

O outro ficou sentado sobre a grama da taipa. Atônito, ouviu o aviso do Benedito e viu-o afundar em definitivo. Por quanto tempo ficou sentado inerte não se sabe. Apenas levantou, voltou para a sua casa e se deitou na cama.

Naquela noite, os pais do Benedito saíram a procurar o filho que não voltava. Atravessaram maricás e branquilhos à luz de lampião. Tudo para chegar à casa do amiguinho e perguntar pelo querido filho desaparecido.

Os pais do outro chamaram o filho e o interrogaram. Foi quando o menino, sem emoção ou remorso, contou o que havia acontecido. Indicou o local exato em que o corpo estava, ajudando a resgatá-lo. O menino nunca mais sorriu. Não havia se afogado na água, mas o remorso sufocava lhe a alma, e a vida, que havia custado um preço tão alto.

O filho dos escravos morreu para salvar o filho dos seus donos.

Eduardo Kauer

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