Certa tarde quente de verão, o primeiro, chamado Benedito, passou pelo potreiro do segundo e o convidou para tomar banho. Como não podiam ir até o rio, resolveram se aventurar num açude ali perto. É que os pais estavam capinando as roças de milho na direção do curso d’água.
Pela estrada do Saco Triste, ficava o Açude Velho, cavado pelos escravos em noite de Lua Cheia. É que quando nosso satélite entrava nesta fase havia uma luminosidade tão abundante que o serviço não precisava ser interrompido logo. Duas fileiras ficavam de cada lado da taipa. Com suas pás iam cavando, enquanto duas juntas de bois caminhavam de um lado para o outro, socando a terra. Assim construía-se a taipa para represar a água da vertente.
O menino rico chegou primeiro e sentou para tirar as botinas e abrir os botões da camisa. Mas Benedito não fez o mesmo, estava com muito calor e todo suado. Atirou-se na água de uma vez só com toda a sua pouca roupa. O açude, tapado de capim boieiro, não perdoava ninguém que se aventurasse assim com tal ousadia. Os finos membros do desditoso se enrolaram nas plantas, e, pouco a pouco, ele foi puxado para o fundo das águas barrentas. Na sua agonia não havia nada o que fazer. Simplesmente colocou a cabeça para fora d’água e disse ao amiguinho:
- Não entra aqui, senão tu morre junto comigo!
O outro ficou sentado sobre a grama da taipa. Atônito, ouviu o aviso do Benedito e viu-o afundar em definitivo. Por quanto tempo ficou sentado inerte não se sabe. Apenas levantou, voltou para a sua casa e se deitou na cama.
Naquela noite, os pais do Benedito saíram a procurar o filho que não voltava. Atravessaram maricás e branquilhos à luz de lampião. Tudo para chegar à casa do amiguinho e perguntar pelo querido filho desaparecido.
Os pais do outro chamaram o filho e o interrogaram. Foi quando o menino, sem emoção ou remorso, contou o que havia acontecido. Indicou o local exato em que o corpo estava, ajudando a resgatá-lo. O menino nunca mais sorriu. Não havia se afogado na água, mas o remorso sufocava lhe a alma, e a vida, que havia custado um preço tão alto.
O filho dos escravos morreu para salvar o filho dos seus donos.
Eduardo Kauer
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