domingo, 11 de agosto de 2013

O Padre e o Gato

Certo padre, do nosso passado, para atender Montenegro precisava vir de longe, a cavalo, atravessando campos, matos e arroios. Por isso chegava cansado e faminto na capelinha improvisada que os moradores da Timbaúva haviam lhe arranjado com árduo trabalho. Com pena do sacerdote e por respeito a sua nobre missão, uma mulher se prontificou a deixar todos os meses, no dia marcado para a missa, uma merenda na sacristia. Na data certa ela trazia bem cedo, pela manhã, pão, queijo, linguiça, vinho e água fresca, prova da gratidão que o povo sentia pelo empenho espiritual do cura d’almas socorrendo-o nas suas necessidades físicas. Tudo ficava sobre uma mesa à espera do sacerdote, que, pelos meios de locomoção da época, não tinha hora certa pra chegar.

Ali vivia também um gato. Sem dono nem casa, o bichano precisava se arranjar da melhor maneira possível. Caçava os pintos nos galinheiros da vizinhança, roubava a carne que ficava pendurada sobre o fogão à lenha para defumar ou penetrava nas despensas das casas. Esperto, ele logo descobriu que podia saciar a sua fome uma vez por mês com um banquete. Achou uma brecha no telhado e conseguiu se infiltrar antes que o santo homem pudesse experimentar algo.

O padre, porém, não sabia quem o passava para trás. Apenas não encontrou a merenda no local de costume no mês seguinte. Perguntou entre os paroquianos. Mas ninguém sabia quem vinha privando aquele missionário do seu alimento. Nem havia no meio deles quem tivesse tal coragem para cometer uma afronta deste tipo. Mesmo assim, estavam lançadas entre eles as sementes da desconfiança. Um mal que precisava ser arrancado logo para que não se colhessem depois os frutos da discórdia.

Cansado de ser ludibriado, no mês seguinte ele resolveu chegar para a missa cedo. Escondido num armário com um relho na mão, o padre esperou pacientemente pelo ladrão. Qual não foi a sua surpresa ao descobrir que o gatuno não andava sobre duas pernas. Mesmo assim estava resolvido a aplicar uma penitência digna do tão grave crime de roubar algo dentro da igreja. Que lugar seria melhor do que aquele para ensinar algo sobre o sétimo mandamento?

Antes que a comida fosse provada, o padre saiu de seu esconderijo. Qual Cristo expulsando os vendilhões do templo, aplicou a pena ao perverso. O gato pulou de um lado para o outro, tentando se desvencilhar do padre. Nada conseguia. As saídas todas fechadas e o carrasco impedindo sua fuga não lhe deixaram alternativas. Por isso alcançou-lhe o pescoço e cortou a jugular pouco acima da gola da batina.

Aquele santo homem, ocupado em ensinar a diferença entre o bem e o mal, caiu por terra. Sangrou até a morte, pois não havia ninguém ali para socorrê-lo. Nenhuma vela foi acesa para guiar a sua alma ao Mundo Vindouro. Apenas seus paroquianos, aterrorizados, encontraram o corpo, frio e inerte, sobre o chão batido da sacristia. O relho ainda na sua mão e as pegadas ensanguentadas do felino contavam esta triste história.

Assim ficou bem claro para todo o povo que ali vivia. Não se pode castigar sem deixar uma alternativa de arrependimento.

Eduardo Kauer

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